Obsession Rouge #01
Muito levemente inspirada pela fanfic Marchande dillusion (https://www.spiritfanfiction.com/historia/marchande-dillusion-1025344/capitulos/4111699), de minha antiga e querida amiga pessoal Clopin.
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Desde o momento em que meus olhos pousaram sobre Léonie Aubert, eu soube que minha vida jamais seria a mesma.
Eu apenas cumpria mais um chamado ordinário de serviço, arrumando o notebook de uma recepcionista de um renomado bordel em South Coast, quando ela adentrou o recinto. Seus passos não fizeram barulho no piso acarpetado enquanto ela avançava em linha reta pela larga recepção, mas sua voz — o sotaque francês arranhado, quase soprado em uma aveludada, porém firme voz soprano, fez com que eu imediatamente erguesse o olhar para o local de onde vinha o som.
— Bonsoir, Jackie.
Muito bem equilibradas nos scarpins Mary Jane vermelhos, as pernas torneadas e tatuadas quase me fizeram engasgar com minha própria saliva. Um vestido vermelho vintage curto extremamente justo lhe abraçava o corpo curvilíneo como se fizesse parte de sua pele. Os longos, negros e lustrosos cabelos lhe caíam em levíssimas ondas pela lateral direita do rosto pálido, descendo-lhes à altura dos seios fartos, muito apertados naquele decote capaz de fazer cair qualquer queixo, fosse por inveja, fosse por admiração. No lado esquerdo da cabeça, uma presilha de rosas vermelhas médias em par lhe servia de adorno. Uma coisa meio pin-up, quase uma modelo dos anos 50 que facilmente estamparia um calendário de oficina mecânica, arrancando suspiros de funcionários e clientes.
Ao se aproximar do balcão de madeira escura, seu perfume invadiu minhas narinas. Tangerina, cereja preta, jasmim de quatro pétalas da Indonésia, lírio-do-vale, almíscar branco e âmbar cinza. Amor amor, da Cacharel — e obviamente eu só obtive essa informação algum tempo depois, após vasculhar uma das lixeiras do bordel como um cão faminto em busca de restos de carne crua.
— Boa noite, Léo — Respondeu-lhe a moça do balcão, apontando para mim em seguida. — Esse é Étienne, o rapaz da informática que chamei mais cedo.
Seus olhos castanhos delineados reluziam em tons de vermelho abaixo das luzes incandescentes dos lustres que, em conjunto com as paredes e os inúmeros detalhes em vermelho escuro do ambiente, davam-me a impressão de estar na recepção de algum tipo de inferno. A cabeça se voltou em minha direção, e os lábios cheios, tão vermelhos quanto o tecido do vestido, recurvaram-se em um levíssimo sorriso.
Senti-me intimidado. Aquele sorriso podia parecer doce, mas, embora suavizasse sua expressão, tinha, ao mesmo tempo, um quê de ferino e lascivo que lhe conferia um ar… Ameaçador. Diante dele, minhas pernas bambearam um pouco. Mas eu pensei que fosse realmente desmaiar quando aqueles mesmos lábios se repartiram e, por eles, ecoou a frase que, ao longo de dias a fio, reverberaria em meu cérebro tal qual uma faixa de um disco cujo botão de repetir eu havia me esquecido de desativar.
— Bienvenue, Étienne. Merci beacoup pour votre travail.
Por um segundo, esqueci-me de como respirar. Eu jamais havia visto um rosto tão bonito quanto o dela. Jamais havia sentido uma aura tão poderosa antes. Ela não era apenas bonita; era etérea, quase sobrenatural.
Enquanto Jackie conversava com ela, trocando informações quaisquer sobre o trabalho, eu me atentava à menor movimentação, absorto em cada detalhe. O modo como sua voz soava — baixa, melodiosa, muito suavemente rouca, quase hipnótica — me fazia tremer por dentro. A maneira que a destra coberta por uma fina e transparente luva negra ajeitava os fios da franja que lhe cobriam a testa. O menear da cabeça em breve concordância às informações que recebia. E, após uma última recomendação, ela nos deu as costas, rumo a outro lado do estabelecimento.
Era impossível desviar os olhos, mesmo que por um instante. A maneira como ela caminhava, como se flutuasse sobre o chão, era de uma elegância quase irreal. Observei-a enquanto sumia no corredor, adentrando uma porta lateral que foi fechada com um baque surdo, tirando-me momentaneamente de meu transe.
— É daí que vem seu pagamento de hoje — disse Jackie.
Ela era a encarnação da perfeição. Uma musa intocável, e, ao mesmo tempo em que eu me sentia miserável por jamais poder pôr minhas mãos imundas naquela divindade, sentia-me infinitamente abençoado apenas por ter a oportunidade de admirar sua presença física entre os mortais.
Após finalizar o serviço, não me lembro bem do que foi dito enquanto eu recebia o pagamento das mãos de Jackie antes de eu sair do estabelecimento. Só me lembro de minha respiração pesada, as pernas fraquejando e o coração batendo tão forte e rápido que pensei que ele pudesse explodir e me matar ali mesmo. Meu rosto ardia em puro fogo, como se tivesse sido acometido pela mais violenta das febres. Quando senti que recuperei um pouco da força nas pernas, corri. Apenas corri, a adrenalina ainda pulsando em minhas veias. Corri até chegar em casa e mal me aguentar segundos depois de fechar a porta atrás de mim, na qual, de costas apoiadas, afrouxei o cinto e baixei as calças às pressas, dando a meu membro ereto, rígido e dolorido o alívio pelo qual tanto ansiava. Ao me desfazer em minha própria palma, deixei-me escorregar até o piso, exausto. Só então, caí em mim.
Eu havia esquecido minha moto nas proximidades do bordel.
Daquele dia em diante, minha mente não conseguiu pensar em outra coisa que não fosse aquela mulher. A forma como dissera meu nome ainda ecoava em meus ouvidos como música — quisera eu poder acompanhar todo um monólogo naquele delicioso sotaque quebrado de quem não possuía o francês como língua materna, mas o utilizava há tanto tempo que já estava incorporado a quem ela era em sua totalidade. O aroma adocicado e sensual que emanava de sua pele. O sutil e impudico movimento dos quadris enquanto caminhava elegantemente sobre seus saltos vermelhos pelo carpete daquele bordel.
Não era apenas atração. Era algo mais profundo, uma conexão instantânea e incontrolável que eu nunca havia sentido antes. Quem exatamente era ela? De onde vinha essa aura de tanto mistério e poder? E por que, de todas as pessoas que eu já conheci, ela causava em mim esse impacto tão avassalador? Cada pergunta gerava outra, e todas giravam em torno dela.
Decidi que precisava saber mais sobre “Léo”. Não era apenas curiosidade; era uma necessidade profunda, quase visceral. Depois daquela fatídica noite, eu soube que ela seria minha única obsessão.
Após descobrir seu nome e sobrenome, Léonie Aubert se tornou o centro do meu universo. Oculto por postes, arbustos e sendo ajudado pela constante escuridão, passei a habitar as sombras do quarteirão da casa de tolerância de nome Maison Sans Frontières, sempre atento a suas entradas e saídas. Passei a seguir cada passo seu com um cuidado meticuloso, sempre nas trevas, sempre à distância. Babillon seguia envolta na mesma escuridão de todas as noites, mas para mim, cada sombra guardava a promessa de um vislumbre em vermelho de Madame Léonie. Eu a observava, registrando cada detalhe, cada expressão, cada hábito. A simples visão dela preenchia meu coração de uma maneira que nada mais conseguia. Ela era um enigma que eu estava determinado a decifrar, uma musa que eu adoraria silenciosa e eternamente.
Ela não sabia, mas a partir daquele momento, eu seria seu guardião invisível, seu admirador anônimo, seu mais fiel e dedicado protetor. Ela se tornara minha razão de ser, e eu estava disposto a fazer qualquer coisa para mantê-la segura, mesmo que fosse à distância. Naquela noite, minha vida encontrou um novo propósito, e esse propósito tinha o nome dela.
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Étienne Laviolette e Léonie Aubert são personagens autorais inseridas na campanha de RPG Babillon by Night, exibida no canal SemFronteiras RPG.