Des Amoureux Voués à L’échec

Téo Santana
4 min readJul 12, 2024

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M a douce Anassa,

Foi com um coração pesado que decidi escrever-lhe esta carta. Carta esta que jamais será enviada, mas mesmo assim, preciso escrevê-la. Preciso colocar no papel todas as emoções que fervem dentro de mim, como um caldeirão que transborda. Uma carta que nunca será para um amor que nunca foi.

As palavras que se seguem são apenas a inevitável vazão das emoções que tenho carregado desde o fim abrupto de nosso romance — um romance tão rápido e devastador quanto uma chama sem controle, enquanto as sombras dançavam ao nosso redor. E nós, sendo o que somos, deveríamos ter nos lembrado de temer as chamas.

Os momentos que compartilhamos foram tão intensos que, às vezes, parecem-me quase irreais. Você trouxe à minha vida uma paixão avassaladora que, por um breve período, consumiu meus pensamentos e emoções. Nossos corações foram como duas estrelas cadentes, brilhando intensamente, mas destinadas a queimar e desaparecer na vastidão do céu noturno. Céu que eu via da sua janela, no andar de cima da sua loja — onde as estrelas pareciam estar ao alcance dos meus dedos. Mais próximas do que você estava, e eu deveria ter percebido isso. Percebido que você nunca seria minha.

Basta fechar os olhos por um momento e eu me lembro de tudo. Do cheiro da sua pele, tão inebriante quanto o aroma de sândalo e incenso que preenchia a loja. Do brilho luxurioso em seus olhos ao me ver nua; esses olhos escuros e profundos que pareciam saber tanto e, ao mesmo tempo, esconder tanto mais. De seu sorriso desconcertado quando eu sussurrava em seus ouvidos o quanto eu lhe queria. De sua voz hipnotizante, murmurando encantamentos e segredos antigos enquanto lia as cartas de tarot espalhadas sobre a mesa de mogno. De seus cabelos tão brancos quanto a face da deusa que te nomeia. Você tinha a capacidade de fazer o mundo ao meu redor desaparecer, deixando apenas nós duas, perdidas em misticismo e despudor. Houve momentos em que pensei que poderíamos conquistar o mundo juntas, mas também momentos em que a realidade nos lembrava de que talvez estivéssemos destinadas a seguir caminhos diferentes.

Você foi ma Lune, brilhando sobre a ilusão, sobre a incerteza, sobre o seu medo irracional de se ferir. Eu fui sua Imperatrice; a futilidade, a luxúria e o egocentrismo reunidos numa mulher. E, juntas, presas no comodismo da Maison Dieu, com medo da mudança e cegas pelo orgulho, esperamos que l’a Roue de Fortune nos levasse da ascensão ao declínio. Assim, fomos L’Amoreux, buscando por um amor idealizado, pela dolorosa necessidade de se compartilhar afeto — mas permeadas pela insegurança, pela indecisão, pelo medo de se prender. Fomos a hesitação, o paradoxo, o dilema, a confusão quanto aos próprios sentimentos. Amantes desafortunadas, vivendo nossa própria versão de Romeu e Julieta. Des amoureux voués à l’échec — destinadas a uma paixão intensa, mas fadada ao desastre.

Quando penso em você, Anassa, sinto um misto de saudade e tristeza, um misto de amor e raiva. Saudade dos instantes em que nos perdíamos uma na outra tentando nos encontrar, e tristeza por não termos conseguido achar uma maneira de fazer aquilo durar. Nosso romance foi um barco numa tempestade de paixão que, infelizmente, não conseguiu encontrar um porto seguro e nos deixou à deriva, sem qualquer farol que nos trouxesse de volta à segurança do ancoradouro.

Eu gostaria de poder dizer que o tempo curou todas as feridas, mas seria uma mentira. Há uma parte de mim que ainda sente a sua falta, que se pergunta o o tempo todo como você está e o que você pensa sobre tudo o que vivemos. Será que você sente o mesmo? Será que, em algum momento, pensou em mim com o mesmo carinho e dor que eu ainda carrego?

Você não teve a coragem de escolher, Anassa. E eu também não. Et il n’y a pas de retour possible.

Anassa, não escrevo para reavivar o que tivemos, mas para fechar um ciclo que, até agora, permaneceu em aberto. Eu preciso de um encerramento, uma forma de lidar com essas emoções que ainda me assombram.

Você foi uma luz brilhante em minha vida. Luz que, por certo período, me cegou, e, agora, segue como um brilho cada vez mais pálido e fraco.

Je t’ai déjà laissé partir.

Eu te amei, Anassa. Amei-te com intensidade, amei-te com fúria. E por isso, talvez eu te odeie com a mesma força. A dor é amarga, profunda e constantemente me incomoda, mas também é um lembrete do quão intensamente eu tinha amado, e quão intensamente ainda posso amar. Porém, no coração de sua Léonie, de sua rosa, sempre haverá um espinho que você deixou.

Você me trouxe a alegria e o tormento na mesma medida. E nesta carta, que nunca chegará às suas mãos, estou queimando simbolicamente o que restou de nós.

Espero que encontre a paz e a felicidade que procura e merece. E, quem sabe, em algum lugar do futuro, nossos caminhos possam se cruzar novamente, talvez não como amantes, mas como duas almas que compartilham, além de um respeito profundo, uma compreensão mútua do ser e do querer.

Adieu, minha desafortunada amante. Que, nas chamas às quais submeto essas palavras, também se vão as mágoas e as memórias do nosso quase. Que eu possa seguir em frente sem sucumbir à tentação de revisitar um amor que não é mais viável.

Salutations distinguées, da uma vez sua, para nunca mais;

L.A.

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Anassa Aidonaea (criação de Tarsi Araújo) e Léonie Aubert (criação minha) são personagens inseridas na campanha de RPG Babillon by Night, exibida no canal SemFronteiras RPG.

À parte os nomes traduzidos das cartas de tarot, respectivamente A Lua, A Imperatriz, A Torre, A Roda da Fortuna e Os Amantes, os demais trechos em francês são traduções de excertos da canção Aunque Te Mueras Por Volver, da cantora Mon Laferte.

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Téo Santana
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Written by Téo Santana

Archaeology pupil, RPGist, Hot Wheels collector, ficwriter & V系 enjoyer.

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